sexta-feira, 1 de abril de 2011
O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade”.
(Declaração Universal dos Direitos do Homem art. I)
É sob a égide do Estado Democrático de Direito, em que se prima pelas garantias fundamentais do ser humano, que adquire cada vez mais relevância o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Tanto é verdadeira essa assertiva que a Constituição Federal de 1988, no artigo 1º, III, o inscreve como princípio fundamental do Estado brasileiro, bem como no artigo 170, caput, ao tratar da ordem econômica e ainda no artigo 226, § 7, no que se refere à família, à criança e ao idoso — sem contar a legislação especial acerca do negro, das populações indígenas, dos deficientes, da mulher e tantas outras minorias.
Nesse aspecto, podemos dizer que o conceito de dignidade humana abriga um conjunto de valores que não está restrito, unicamente, à defesa dos direitos individuais do homem, mas abarca em seu bojo toda uma gama de direitos, de liberdades e de garantias, de interesses que dizem respeito à vida humana, sejam esses direitos pessoais, sociais, políticos, culturais, ou econômicos.
Daí afirmarmos que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está na base de todos os direitos constitucionais consagrados. Sejam direitos e liberdades tradicionais (art. 5º); direitos de participação política (art. 14); direitos sociais (art. 6º); direitos dos trabalhadores (art. 7º) e direitos às prestações sociais (art. 203). Porém, sua efetividade está longe das necessidades da população, pois cabe ao Estado efetivá-los.
O ser humano somente poderá desenvolver-se plenamente em um ambiente comprometido com as modificações sociais em que se possa verificar a aproximação entre Estado e sociedade afim de que o Direito se ajuste aos interesses e às necessidades da coletividade. Disso decorre, a nossa percepção de que há uma íntima vinculação entre a dignidade da pessoa e o Estado Democrático de Direito.
O Estado Democrático de Direito representa a superação (ao menos em tese) da ideologia individualista do Estado liberal, que, como sabemos, foi incapaz de mitigar as diferenças e os conflitos sociais existentes. É evidente que mesmo sob o manto do Estado Democrático de Direito esses conflitos que afligem a humanidade (especificamente entre trabalho e capital) também não se mostram superados, mas ao menos se apontam caminhos que conduzem a sua mitigação.
Nesse sentido afirmamos que o Princípio da Dignidade Humana como fundamento do Estado Democrático de Direito coloca o homem como centro de toda a organização política e do próprio Direito. Não é o homem que está a serviço do aparelho Estatal, é este que deve servir ao homem para consecução do integral desenvolvimento de sua personalidade, para que atinja seus ideais de vida e de sua própria realização pessoal, que em última instância é a busca incessante de sua felicidade.
Temos ainda que a Constituição da 1988 adotou uma decisão política fundamental: inserir o princípio da dignidade humana como princípio fundamental da República Federativa, proporcionando um conteúdo substancial ao sistema jurídico. Essa meta é uma demonstração da subserviência do Estado ao ser humano; da posição de anterioridade da pessoa ao ordenamento e, principalmente, da supremacia dos valores, agora positivados em princípios (ROSENVALD, 2005, 51).
O Estado deve existir para estar a serviço da pessoa humana, para suprir as suas necessidades, entre elas a de viver em liberdade e em condições que possam facilitar o seu desenvolvimento e a sua personalidade. O que significa dizer que cabe ao Estado e, portanto, também ao Direito, propiciar o pleno acesso às condições necessárias para a promoção dessa realização.
Este sentido do preceito da dignidade da pessoa humana, como pressuposto da República, também ocorre em Canotilho (s/d, p. 225):
Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que serve ao homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios. A compreensão da dignidade da pessoa humana associada à idéia de homo noumenon justificará a conformação constitucional da República Portuguesa onde é proibida a pena de morte (artigo 24.º) e a prisão perpétua (artigo 30.º/1). A pessoa ao serviço da qual está a República também pode cooperar na República, na medida em que a pessoa é alguém que pode assumir a condição de cidadão, ou seja, um membro normal e plenamente cooperante ao longo da sua vida.
Entretanto, para que a República esteja a serviço do homem, é preciso também que se reconheça o ser humano como cidadão pleno de direitos e de garantias que lhe possibilitem a realização dos seus anseios básicos. Reconhecimento este que deve ultrapassar os textos jurídicos e realizar-se no dia-a-dia de cada um — é a única maneira de seduzir, convencer estes sujeitos a se tornarem cooperados legítimos e cooperantes (atuantes) do Estado. Como é que se vai esperar adesão e compromisso de alguém (a qualquer “causa nobre”) se a ele tudo sempre foi negado?
Este compromisso e apoio às causas comuns, evidentemente, só serão efetivos quando as causas degradantes mais nefastas forem afastadas da imensa maioria da população, a exemplo de se ter mais de dois terços da população coabitando entre as faixas da pobreza e da miséria.
O mundo conheceu (e por vezes ainda conhece) muitos dilemas e efeitos mais do que inibidores à dignidade humana (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos), mas o Brasil tem seus próprios males, como formas de exclusão da vida social, econômica e política, degradações de toda sorte e banimento da condição republicana.
Extraído de: O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como fundamento para a ressocialização do detento. (excerto)
por Fátima Ferreira P. dos Santos
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